Pular para o conteúdo principal

Outras histórias de Ouro Preto

Que Ouro Preto é realmente linda, diferente e encantadora, isso nós já sabemos. Sim, ela é quase um museu à céu aberto e sua arquitetura nos fala MUITO sobre a história desse país. Mas, que história é essa? O que se passou naquelas ruas de pedras?? Quem nos conta essa história?

Desde a primeira vez em que rapidamente visitamos e almoçamos na cidade, sentimos esse clima tenso, pesado, uma angústia. Porque ninguém fala sobre isso? Porque ninguém fala sobre os nós engasgados nas gargantas dos guias e moradores, do que ficou sem explicação ou mal explicado?

Queridos, na última vez em que lá chegamos, não foi diferente. Henrique não é disso, mas estranhou muito, ficou angustiado, meio sufocado. E para melhorar, quando finalmente encontramos a pousada, o recepcionista fala: "lá embaixo, onde hoje é o restaurante, era uma senzala, de verdade". Ele, que também é negro, contou assim, como uma grande novidade, que era uma senzala. "Na parte de cima, onde vocês estão, ficavam os portugueses. É lindo né? ". E lá havia uma louça centenária e muito chique, sobre a qual o outro funcionário muito me falou na manhã do dia seguinte. 

Em primeiro lugar, fiquei com muito medo de não dormir, de ver alguma coisa horrível (espiritualmente falando), de ter os piores pesadelos. E Henrique então, eu nem sei como explicar. Ele ficou péssimo ao ponto de chorar. Na casa grande, tal como ela era. Toda preservada. Conversamos e saímos para a praça, para comer alguma coisa. Infelizmente logo na saída um senhor caiu na nossa frente, com uma garrafa de cachaça na mão. Desmaiou, a ambulância levou e ele provavelmente desencarnou. Depois, tantos moradores bêbados e conversando sobre bebida na rua.  Por ser o primeiro dia do ano, esperávamos sim ver muita gente bebendo, mas não tristes, pesados. No primeiro dia do ano estavam assim, nos outros não sabemos. 
No dia seguinte acordamos com a certeza de sair de lá, pois ainda não estávamos tão preparados, e também achamos estrategicamente melhor. Sentei com o notebook na sala super chique para programar nossa saída, e no meio da louça e dos móveis chiquérrimos, me deparei com essa escultura: 


Essa PEQUENA e mimosa lembrança na sala chique e preservada
Oi?
Sala


Fiquei apavorada. Como ser humano, como esposa, como congadeira, como mãe, como brasileira, como turismóloga, me senti ferida na alma. Me chamem de fresca, mas vamos conversar sobre isso. Eu PRECISO conversar sobre isso e saber que não estamos loucos e sozinhos nesse planeta. Nessa mesma manhã, um funcionário fez questão de nos apresentar a senzala, sorrindo, mostrando as correntes originais. 


Parou, gente. Parou demais Brasil, Ministério do Turismo, UFOP, mineiros, todo mundo. Isso não se faz! A escravidão não foi um espetáculo, não foi engraçada e não merece ser contada dessa forma. Sei que o movimento negro cresce a cada dia e se fortalece nas redes sociais, mas acho urgente uma mobilização maior, efetiva, especialmente nesses lugares onde o sangue negro parece ainda escorrer nas ruas. Lugares que o negro construiu, apanhando, sangrando, sendo violentado, afastado de sua família, de sua religião, de sua terra. Porque só falamos nos inconfidentes, na arte, no ouro, na prosperidade? Quem garimpou, quem construiu? 
Quem ouve os guias, quem lê a história, pensa no branco, que fez e aconteceu. O branco é autor, narrador, herói e protagonista. 
Infelizmente é mais fácil e cômodo reproduzir a história dos brancos e europeus, até por ser melhor documentada. Mas é um crime reproduzir esse padrão, é um crime fazer da escravidão um espetáculo lembrado pelos brancos, e ainda um espetáculo bobo, um mero detalhe, sem muita importância. 
Porque ninguém fala sobre isso? Porque os turistas vão e acham normal?  


Em tempo, gostaria de ressaltar que fomos MUITO bem atendidos na pousada, e entendemos que isso infelizmente está LONGE de ser um problema isolado e pontual da pousada ou da cidade. 
Eu quero ver, em Ouro Preto, em Paracatu, em Salvador, no Rio de Janeiro, a história contada pelos negros, pensada pelos negros.
Querem saber outros detalhes de nossa viagem para Minas?
Tudo aqui.






Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

As crianças do Axé(Asé)

Já falei diversas vezes sobre o preconceito que João Francisco sofreu nas escolas onde estudou e quem nos conhece sabe de boa parte desse processo. No último dia dois de fevereiro nós fomos à prainha dos orixás, para prestigiar a homenagem a Oxossi e Iemanjá organizada pela Federação de Umbanda e Candomblé de Brasília e Entorno e o FOAFRO/DF. No intervalo entre os toques de umbanda e candomblé, João se aproximou dos atabaques e o ogan que estava presente chamou ele pra tocar. Infelizmente não consegui filmar, mas uma amiga querida (valeu Líviaa!!) registrou um pouco desse momento. Enquanto ele tocava, Adna Santos - Mãe Baiana, falou sobre o preconceito enfrentado por nossas crianças nas escolas e sobre a necessidade URGENTE de se cumprir a lei  10.639/03,  que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas públicas e particulares, do ensino fundamental ao ensino médio. 

I Encontro Nacional de Crianças de Axé

Estão abertas, de 03 a 21 de abril, as inscrições do I Encontro Nacional de Crianças de Axé. O encontro ocorrerá no Terreiro Axé Talabi (Paulista/Pernambuco) entre os dias 29 e 30 de abril - 2017 e crianças de 04 a 12 anos podem participar com um acompanhante. O intuito com a realização do encontro é o de possibilitar um intercâmbio cultural realizado através de um conjunto de vivências coletivas que utilizarão a memória ancestral e o  corpo como ferramentas fundamentais para o desenvolvimento educacional e cidadã dos participantes, fortalecendo o direito a liberdade e cidadania das crianças pertencentes a casas de axé. Temas como racismo na educação Infantil, preconceito religioso e direitos humanos na infância serão abordados de forma lúdica nos ciclos de vivências programadas. Garanta já sua vaga, solicite sua ficha de inscrição através do e-mail: criancadeaxe@gmail.com, com o título: Inscrição no I Encontro Nacional de Crianças de Axé. Participe, a atividade é gratuita!

Tem criança na cozinha!

 Já falei em outros posts como eu e Henrique amamos cozinhar, apesar de ultimamente não termos mais tanto tempo pra isso. Certamente minhas lembranças da infância na cozinha são maravilhosas e marcantes, e quero que seja da mesma forma com os meninos. Eu gosto de ter em casa: farinha de trigo, farinha de trigo integral, polvilho, aveia e maizena, que são ingredientes que estou acostumada a trabalhar. Juju gosta de biscoitos de aveia, e eu tanto uso flocos finos como os grossos. Misturo os farináceos (cerca de 2 xícaras) ao açúcar mascavo (1/2 xícara), 1 ovo e manteiga ou óleo (pode ser de girassol, coco os outro de sua preferência). Gosto dos biscoitos mais crocantes, e então deixo a massa sequinha, como na foto. Faço bolinhas, mas depois ficam redondinhos. Nesse abaixo nós colocamos gotas de chocolate amargo. A banana amassada também fica muito bem nos biscoitos! No vídeo abaixo (snapsave) estamos na casa de minha sogra, peneirando a fazer tapioca. Ele também ama organizar a mesa